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terça-feira, 10 de junho de 2014

Poesia e Liberdade

“Viva o Comunismo”, pichou o jovem Manoel numa estátua em tempos de ditadura.  Teria sido preso não fosse um livro que portava no momento em que fora capturado. O escrito intitulava-se "Nossa Senhora de Minha Escuridão". Perdeu a única cópia que tinha de seu primeiro livro em troca da liberdade. Bom gosto do policial e um breve sopro do cárcere, barrado perante as primeiras palavras dispostas em folhas em branco. A liberdade que ainda não lhe era de fundamental importância, foi comprada pelo que portava de maior valor. Sua voz escrita. Mas se pudesse trocar a palavra pela liberdade, o jovem estaria em apuros, afinal, esses caminham lado a lado e de certa forma, se entrelaçam formando a poesia.
Manoel de Barros, jovem admirador de Luiz Carlos Prestes, cresceu em um colégio interno, tomou gosto pelos livros entre as prateleiras da biblioteca, mas descobriu a liberdade nas terras alagadas do Pantanal. Porém, estes terrenos
foram renegados por um tempo, Manoel se recusou a morar na fazenda com os pais e preferiu viajar. Conheceu Peru, Bolívia e Nova Iorque. Entrou em contato com as pinturas de Picasso e Van Gogh. Encantou-se com a liberdade dos artistas. Conheceu a obra de Chaplin e se apaixonou pelo jeito desligado que o ator dava a seus personagens. A alma de poeta estava se formando só lhe faltava um grande amor.  Conheceu uma jovem chamada Stella em sua volta ao Brasil. Casaram-se em três meses.
Manoel de Barros vive em sua fazenda em meio a natureza.
  Aos 97 anos ele continua escrevendo. O ritmo diminuiu, no entanto a poesia marcada pela presença da natureza permanece inabalada. “Vagabundo profissional”, é assim que se auto intitula, costuma dizer que a poesia é “a mais verdadeira maneira séria de não dizer nada”. Sua paixão por poesias e pelo lugar em que vive inspira outros poetas. Nascer à beira de um rio e crescer em um colégio interno para depois conhecer a planície pantaneira e toda a liberdade de viver segundo as leis da natureza fizeram brotar como uma árvore a encantadora poesia de Manoel de Barros.
  Em 2008 o poeta teve sua vida contada em um documentário chamado “Só dez por cento”. Houve muita recusa por parte do poeta, que não gosta de falar sobre si, prefere ponderar sobre bichos. Após muitas tentativas por parte da produção, o escritor afirmou que o ser biológico Manoel era totalmente sem graça, que se concentrassem no ser letral, somente nos livros. Afirmou também que sua arte só se expressava por escrito. Depois de muita insistência a frase que fez Manoel de Barros voltar atrás foi: “...deixa para lá, era só um sonho.” Assim a produção conseguiu algo inédito, a palavra oral de Manoel de Barros.
  Outra tentativa bem sucedida foi a de Márcio de Camillo,
Capa do disco idealizado por Márcio Camillo.
compositor que resolveu apresentar a poesia de Manoel de Barros para crianças através da música. Juntamente com mais quinze crianças o projeto se desenvolveu, virou disco e espetáculos aprovados pelo autor inspiração. Uma das poesias escolhidas, Bem-te-vi, ganhou uma linda versão musicada. Hoje, o projeto musical caminha de mãos dadas com o projeto Crianceiras. E assim Manoel de Barros vai eternizando sua forma simples de escrita e consolidando o valor da natureza como um bem comum a todos os homens. A sua arte se funde com a liberdade para ser vivida, cuidada, vista e apreciada como uma das mais belas poesias.