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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Cinzas

Não me encanta a pálida tarde de domingo
É crua e turva pelo vidro repleto de insetos.
Da janela espiava o mar, dali a alguns instantes o menino
Encoberto de espanto, libertaria borboletas
-Só vivem um dia.
Disse-lhe.
Decaídas como frutas apodrecidas que não apetecem ser algum
A não ser os germes que corroem até as entranhas
Do que sobrevive às costas do subsolo da terra
Repousavam resquícios de vida
Num leve sossego, asas de borboletas
-O que são?
Perguntou o menino.
-Asas de borboletas.
-Elas trocam de asas?
-Não. Elas morrem.
Olhos arregalados.
Boca entreaberta.
-Para onde foi o restante do corpo?
-Outros insetos o fizeram de alimento.
E as pálpebras dos olhos negros do menino lentamente se fecharam
Como cortinas indicando o fim do ato de vida das pequenas criaturas
Naquele momento em que tudo se doava ao sentido de seus ouvidos
Pensou por uma sombra de tempo e concluiu:
-Borboletas vivem apenas um dia. Ficam presas no casulo e depois saem para voar um dia.
-Um dia.
Martelou.
-Um dia.
Meus sentidos gritaram.
Detrás das janelas fechadas havia o mundo, a grama, o mar
Algumas borboletas, ainda com seus corpos presos às asas, debatiam-se contra a janela.
Perdiam ali segundos milésimos da vida breve que lhes fora dada.
-Abre a janela! Abre!
Uma a uma foram bater asas pelo céu,
Que estava pintado aos meus olhos de uma cor muito cinza
Acometeu-me o azar daquelas recém- libertas e já aprisionadas borboletas
A elas não foi oferecido o azul pincelado de branco moldado de relevos
Entretanto, lá estavam.
Asas presas ao corpo que docemente ignorava o fim
Mesmo no céu escuro que anunciava, insistentemente, a tempestade da noite.
Ainda assim, voltando para posicionar seu corpo de quase nenhum tempo vivido
Findando por serem devoradas pelos seres que ferem as entranhas da terra.
Ainda que depois sendo apenas resquícios de vida breve
Elas sobrevoaram pela moldura da janela
E, no dia seguinte, entregarão, ao que tudo indica
Histórias decaídas escritas em suas asas.
e ao que parece, hoje o menino não me deixará fechar as janelas.