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sábado, 3 de dezembro de 2016

Chuva no céu de estrelas

Um risco de luz atravessa a noite
E se derrama aos meus pés
De espanto, um salto
Dos olhos ao infinito
E eu, que busco estrelas
Não as vi
O pensamento de descordar não veio
Ainda com os pés molhados
E a falta de feição
Observei o céu
Como quem não espera nada
Logo eu, que procuro por estrelas
E aprecio as noites de chuva
Não esperei por nada.
O cinza invadiu o céu, matou as estrelas
Esfriou o tempo
Ventou misterioso e se foi
Movimentei os olhos
Meus pés estão molhados
Três ou quatro pingos de indiferença
Volto minha visão ao cinza
Que agora é apenas cor
As noites de chuva são aconchegantes
Há um tempo, eu tive uma janela de vidro
De onde observava a água escorrer
E se debruçar no encosto da cama
Como quem quer invadir o quarto e deitar sobre meus lençóis
Vez por outra, abria a janela e saciava seu desejo
A chuva gostava de mim e eu queria a chuva
Nas noites estreladas, pensava planar no céu
O mais próximo possível
De tocar estrelas
Há tempos fechei as janelas e esqueci a chuva
Hoje, nesta noite, ela veio me lembrar de abrir as janelas
Não recordava que a chuva apaga as estrelas
Gotas de vida nos pés
Pingos de alma nos olhos.
Fez chuva numa noite estrelada
E posso seguir, finalmente.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Morada

Minha força, por vezes, é composta das minhas fraquezas.
Um dia por vez, visto de uma nova janela,
como quem está numa morada diferente a cada manhã.
Sol de Lá

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Contramão do mundo

Há uma multidão que caminha
e vai na contra-mão do mundo
Que vê chuva quando faz sol
E faz sol nos dias cinzas
E ressurge dos restos de fogo
Queima a pele da vida presente
Que se presta ao passado no tempo real
Dos sonhos a cor
Que encobre as tardes
Das viagens de trem pelos campos de ontem
No relógio são 03:00h da manhã
Amanhã será domingo a memória se apagará
Na verdade os dias não contam
Tornam-se inúteis relógio, domingo e verdade.
Aquela realidade de cada um
E de um por um se vai ao chão
Como as estrelas que caem e nunca chegam ao solo
Vão no infinito
O quão triste é o peso do sem fim
Esse que todos desejam como presente
Entretanto, posto que é o campo nulo
Não satisfaz, não abriga
Apenas distrai por meio do tédio
O tédio que é o fim
Mas há uma multidão que persiste
se embriaga e enterra os pés na areia
Mansa e rouca a voz  que lhe palpita o coração
Não sabe aonde ir
Como na música que compara luas
Decerto a de Ícaro tem mais poesia que a de Galileu
Justamente por ser infinita
E por libertar os amantes o voo da alma.
Todos sabem o que houve com Ícaro
E todos desconfiamos do nosso fim
Assim sendo, buscamos o infinito por ingenuidade
Ou por desejo de mudança dessa história já escrita
Tolos, caminhamos na contramão
Felizes até descobrirmos que a gravidade da lua recebe visita de militares
E que os bailarinos e amantes apenas sonham
Afinal, sonhar é mais real do que a própria vida.
Confortar-nos-emos.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Amores bordados

As mulheres, à beira da praia, arrastam suas saias bordadas,
Entre passos, sussuros e esperanças.
O silêncio da noite cai, nativo e manso
Encobertas pela espuma das marés
As pedras, por sua vez, imóveis, palpitam.
Sinto um pé de vento e uma onda modesta,
Encontro olhos que buscam a linha que traça a vista.
E as luzes do vilarejo se esvaem
Pelo efeito da maresia que as cortam.
Ali, nada anseiam e tudo transpassam.
Da noite brotam os barcos atordoados,
Velas abaixo, nomes cravados.
A eles nada abala, a não ser o gosto do mar,
Que se mata no limite de um encontro invisível
E me profere onde acaba o céu e inicia o espelho d’água.
Trago a leveza do sentir
Enquanto tragas o medo de imergir.
Mulheres tecem histórias de
Algum mundo depois do oceano.
Lenços bordados conversam.
Falam mais alto do que o sussurro do vento.
E o mar as devolve, por pena,
Os amores que embacaram para além.
Pois todos os amores são do mar
E o mar fecha os olhos, por medo de ser de alguém.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

A febre pela metade

Sinto  febre
Por todo o corpo
Cuspida da alma, lançada aos olhos
Não ameniza com lençol
Nem abrasiva as torrentes
Do vento de fora
Do morno inquieto
Entorpece a mente
Que permanece calada
De um lado o mundo doente como eu
Ou, diriam os pessimistas, pior
No fundo os sonhos recorrentes da alucinação
De embriagar-se de febre
De morrer-me por mim
E de estar em brasas pelas mazelas do mundo
Minha alma em chamas pouco importa
Pouco importa também a sede
Os lábios cortados
As mãos ásperas
Se de mim não importa nada
Do nada me importa menos
Em razão de ser inteira,
Não me importa as metades.
Nem a febre, nem a alma, nem a existência.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Adeus abril

O calor é reagente da alma
Mas não de qualquer alma
Das boas almas
Daquelas que te fazem pedir para estar perto
Não sei o segredo do tempo
Como quando um alimento não mais serve
Depois da meia noite, após o prazo de validade
O  tempo, aquele que consome a importância
Dos seus atos
Ele cruza como flecha cortante e venenosa
As coisas, vontades e desejos.
Mas certas vezes, ele para e assiste.
E ele  fechou os olhos quando te viu sorrir
Em seguida, se  dedicou a examinar minuciosamente
A expressão no teu rosto
E definitivamente parou para ouvir tua respiração
Ele sentiu o calor que vinha dela
E o tempo simplesmente morreu
Quando sentiu o gosto bom que o teu gosto tem
Pensou por algum tempo nas voltas dos ponteiros
E agora o tempo estuda uma forma de fazê-los voltarem
Para repetir cada movimento, cada cheiro, cada toque
O tempo não tem costume de voltar
Apenas devora os instantes e segue em frente
Mas  o tempo me contou um segredo
E eu te garanto, por você, o tempo voltaria.
Um tempo sobrou no final do mês
E ele continuou acrescentando milésimos de segundos
Até fazer com que o começo do novo mês
Se confundisse com a existência de abril.

domingo, 24 de abril de 2016

Conto diário

Cotidiano
Conte -me as vinte e quatro horas dos dias do ano
De todos os dias os segundos
E da terra os giros do sopro do mundo
Janelas fechadas e o tempo  pedindo para passar
No céu de laranja talhada em curvas no ar
Meio turva nos arranha-céus
A luz que brilha não tem alma
E a alma está perdida, dentro das janelas fechadas
Como o sinal que te diz para aguardar
Enquanto a vida passa sem calma
O mundo não se dispõe a parar
O tempo torna relativa a existência
La no topo do céu as linhas retas e perpendiculares
Não se tocam, assim como não se tocam os olhares
Não se falam, assim como as bocas e a vaidade
E como santos julgamos loucas
As pessoas de verdade.
Por detrás da sua cortina há um muro
E logo depois o céu escuro
E em seguida a vida
Junto a ti o sol corre
E segue a rotina
Enquanto você fica olhando a cortina
Que te olha enquanto você morre.


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Abril

O senhor vento carregou as folhas do mês de abril
Derramou-as entre as frestas da calçada
Embaralhou os galhos das árvores
E levitou melodias da canção de longe
Respira, ouve, canta, anda.
Anda, canta, ouve, respira
Não conheço tão bem o mês de abril
Não temos nenhuma intimidade
Ele sempre vem e passa, não marca e não me lembra nada
Pedrinhas do calçamento
Vocês sabem o que é o amor
Num dia incomum do mês de abril?
É como as folhas presas entre suas frestas
Precisam ser percebidos
As folhas e o amor
Respira, ouve, canta, anda.
Anda, canta, ouve, respira
É mês de abril.


sábado, 9 de abril de 2016

Canção da chuva em nós

Fomos nós, na solidão da noite, saltimbancos no silêncio da cidade?
Mereceu, quem não fugiu, receber o reflexo da verdade?
Mais vaga ilusão essa sua de se proteger do que te faz bem.
Quem, na escuridão da noite, corre da chuva,
Merece a paz que a chuva tem?
Que percorre os teus cílios, e dança nos teus lábios e morre na tua mão
Menino, a chuva só faz bem
Canta tua doçura, entoa tuas notas, faz tua canção
Que ela, a chuva, melancolicamente, vem.
Guarda tudo, protege o que não é puro
Tudo que não merece a chuva,
A tua voz, o teu dom, protege-os do escuro
Deixa do lado de fora, a alma, o querer e o agora
Fecha teus olhos e sente
Que algo ficou no ar, percebe o gosto da chuva na gente
Que percorreu teu rosto, que molhou tua boca
Que bagunçou teu vinho
E desfaleceu no momento, catando recordações em valsa de redemoinho.
Onde se refletem as luzes da cidade?
Que te olha quase dormindo e acorda sorrindo só pra fazer tua vontade
Quem, de sobressalto, desperta e te ouve cantar?
O que reflete o lado de fora da gente
E se banha na chuva e se equilibra no ar
Se embriagar da paz
Que é estar bem e que bem é estar.


domingo, 28 de fevereiro de 2016

Cinzas

Não me encanta a pálida tarde de domingo
É crua e turva pelo vidro repleto de insetos.
Da janela espiava o mar, dali a alguns instantes o menino
Encoberto de espanto, libertaria borboletas
-Só vivem um dia.
Disse-lhe.
Decaídas como frutas apodrecidas que não apetecem ser algum
A não ser os germes que corroem até as entranhas
Do que sobrevive às costas do subsolo da terra
Repousavam resquícios de vida
Num leve sossego, asas de borboletas
-O que são?
Perguntou o menino.
-Asas de borboletas.
-Elas trocam de asas?
-Não. Elas morrem.
Olhos arregalados.
Boca entreaberta.
-Para onde foi o restante do corpo?
-Outros insetos o fizeram de alimento.
E as pálpebras dos olhos negros do menino lentamente se fecharam
Como cortinas indicando o fim do ato de vida das pequenas criaturas
Naquele momento em que tudo se doava ao sentido de seus ouvidos
Pensou por uma sombra de tempo e concluiu:
-Borboletas vivem apenas um dia. Ficam presas no casulo e depois saem para voar um dia.
-Um dia.
Martelou.
-Um dia.
Meus sentidos gritaram.
Detrás das janelas fechadas havia o mundo, a grama, o mar
Algumas borboletas, ainda com seus corpos presos às asas, debatiam-se contra a janela.
Perdiam ali segundos milésimos da vida breve que lhes fora dada.
-Abre a janela! Abre!
Uma a uma foram bater asas pelo céu,
Que estava pintado aos meus olhos de uma cor muito cinza
Acometeu-me o azar daquelas recém- libertas e já aprisionadas borboletas
A elas não foi oferecido o azul pincelado de branco moldado de relevos
Entretanto, lá estavam.
Asas presas ao corpo que docemente ignorava o fim
Mesmo no céu escuro que anunciava, insistentemente, a tempestade da noite.
Ainda assim, voltando para posicionar seu corpo de quase nenhum tempo vivido
Findando por serem devoradas pelos seres que ferem as entranhas da terra.
Ainda que depois sendo apenas resquícios de vida breve
Elas sobrevoaram pela moldura da janela
E, no dia seguinte, entregarão, ao que tudo indica
Histórias decaídas escritas em suas asas.
e ao que parece, hoje o menino não me deixará fechar as janelas.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Aos que beijam a alma

Toda flor do dia
Todo dia vida
Cada vida à antiga
Toda antiga euforia
Cada euforia é rasa
Cada rasa ilusão
Toda ilusão te passa
Como passa razão.