Pages

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Cetim na calçada

Daqueles dias em que me atrevi a sentar pelas calçadas
E beber, da garrafa, o mesmo vinho que bebias
Levo comigo memória curta
Como algo que ocorreu há muito tempo
Em outra vida, num outro corpo
Sentir-me pluma flutuante, em meio à poluição, perdida, sem rota
Em queda livre como um pássaro sem vida
E, de súbito, lembrar-me que ainda continuo aqui
É o aviso para atentar e voltar a subir, pairar sem motivos no ar
Um cetim vermelho surrado do chão
A nobreza ainda lhe batiza
E ao enveredar em meio aos seus danos
há de se embebedar no conforto
Como deslize suave de mãos sobre a pele
Das calçadas em que dormi, recordo-me de você
Da embriaguez e de tudo que foi sóbrio
Prefiro as boas doses de bebidas
Daqueles bocados que descem feito fogos dentro da gente
Sinto, nesta noite fria, que nem aquele vinho barato aqueceria meu ser
Nem as palavras sem rumo ou os assovios do vento
Trago uma queimação no peito que não se explica
Como quando nos perguntam como estamos
E respondemos, educadamente, "vou bem"
Meu coração palpita, berra, acalma
E acalmar é momento raro
Raros também são os risos de dentro
Os de fora estão sempre aqui
Eu, como uma bebida barata, tingindo de vinho
O mais nobre dos cetins.

Sobre o mal que é a doença da alma.
Ana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário